Sunday Wobbly Sunday - r v z t
- pandorinharecords
- Aug 16, 2021
- 4 min read

Eu sequer tenho espaço na minha vida para tudo que eu amo.
As vinte e tantas polegadas do monitor se esparramam na minha cara como se, sendo gigante, fosse dar conta de mais, e mais, e mais, e mais abas, e mais cores, e mais pixels, e mais leds, e mais luz,
mas a cegueira duma ressaca mórbida me impede de aproveitar os restos do meu domingo.
Tudo o que eu quero fazer leva tempo. Homero, graphic novels, um curso online sobre o território onírico com 8 longos episódios, a nova adaptaçao de O Nome da Rosa, os filmes do mubi que vejo no ad e baixo no torrent. As aulas pra preparar, as produções pra organizar. Os amigos. A minha casa, a minha lixeira, o meu guardarroupas, a minha fome. Enquando as tarefas do cotidiano se dissolvem em minhas mãos, parece que minha vida é governada pelo Shakespirito.
Nesse contexto, minha modesta lista de livros lidos até agosto desse ano foi
Rust in Peace
Violetas e Pavões
Umbigo Sem Fundo
Vidas Secas
Cannabis: a Ilegalização da Maconha nos EUA
O Apocalipse dos Trabalhadores
no momento estou novamente empacado em uma tradução e Drinking At The Movies ("Umas e Outras" na tradução)da Julia Wertz. É a arma secreta da autora, te fazer se sentir tão inútil quanto a protagonista, ao não conseguir jamais finalizar a obra, mesmo sendo tão... compacta.
Olho pra minha estante e tento enfileirar mentalmente minhas próximas leituras:
Patience do Clowes numa luxuosa edição garimpada com satisfação
Nexus do Henry Miller (com uma capa tão brega-safada quanto aqueles memoráveis baralhos pornôs)
um pouco mais do Catatau
as Desestórias da Marcia Denser
a pilha de livros da Zadie Smith
Never Let Me Go
além de Chorinho Brejeiro, Som e Fúria, pockets do Hans Staden, Shakespeare e Italo Calvino, livros de amigos, e isso sem falar nos achados de cada mês da livraria do bairro, garimpados durante os intervalos de almoço em que perambulando pela avenida em busca de sol.
Eu sempre me pego pensando na literatura quando eu me encho de outras coisas pra fazer, e agora que estou metido em finalizar músicas novas, colaborar com outros artistas e mesmo organizar um novo modo, pós-pandêmico e mais intuitivo de realizar as coisas, parece que a literatura me vem como salvação e calvário, um lugar pra onde eu ora quero, ora sinto que devo retornar sasonalmente, seja pra me instruir seja pra procrastinar.
A literatura vem como a arte de articular visões inteiras, devaneios, presentes do desejo inconsciente, nos moldes dos sonhos que nos surgem na noite. Uso a suspensão da descrença de caso pensado na possibilidade de encontrar a mim e aos meus nas narrativas dos outros, ou de vivenciar certas realidades nao-raro novas e reveladoras e acabar transformando a minha perspectiva das coisas.
Pegue a porra do retorno do Talibã ao Afeganistão (que se fosse um lugar legal n começava com Afffe). Se a moda se repete a cada 20 anos, essa renuncia presidencial, auto-exílio, retirada de tropas, ettttcc bateu fundo num negativo extremo de nostalgia com cheiro de mofo fundamentalista.

Nos anos 90, o Afeganistão era uma foto no seu livro de história (um livro caríssimo! e que, por decisão editorial, deixava de fora as paisagens do Quirguistão, do Azerbaijão, do Cazaquistão, do Uzbequistão, etttc), o Talibã era uma questão abordada pelo Fantástico a cada 3 domingos, e a insalubridade de um regime contemporâneo que escraviza as próprias mulheres TAL E QUAL O Conto da Aia (ao lado) resistia à distância histórica, linguística, geográfica, tecnológica.
O Talibã retomar o poder em 2021 é o maior tapa na cara que o ocidental pode levar, e esse é um aprendizado que devo simples e gentilmente à Marjane Satrapi, que em seu necessário Persépolis ensinou com a sensibilidade de uma pedagoga a garotos cegos como eu o que é, para uma garota, viver uma vida basicamente "normal" (com liberdades tipicamente ocidentais extendidas às mulheres) e, do nada, um sistema francamente violento* passar a obriga-las a cobrirem o corpo, deixarem de frequentar espaços desacompanhadas de homens, e submeterem-se adestradamente aos desejos e relugamentos de um Maleus Maleficarum escrito em Árabe. Na matéria do editorial mais escroto e difundido do Brasil, que o Fantástico, a ênfase no domingo de hoje é nos fuzis, no caos bélico e (sempre) na pobreza, hostil aos bons e prósperos cristãos. Limitando-se a 2 (duas) frases, a emissora falha em denunciar reiteradamente o pior aspecto do Talibã: a sujeição, por lei, de indivíduos do sexo feminino aos desejos, regulamentos e arbitrariedades da comunidade peniana. Dá pra ser mais claro?
A crise do tempo livre me angustia, porque não sei de que maneira retribuir ao universo o fato de meio que ser livre pra decidir o que fazer com ele.
*no Persépolis nao é o regime não é Talibã e nem a história se passa no Afffeganistão. O relato de Satrapi é sobre o Regime do Xá no território iraniano, que tb é fundamentado pela lei islâmica, e que a grosso modo, para nossa modesta análise, não passa de uma variação do mesmíssimo tema - o peso político de religiões ultra-ortodoxas e a fragilidade das democracias modernas.
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